Os tiros que me acertaram me injetaram gasolina

23:54 Igraínne 2 Comments


A maior parte da população tem objetivos simples, os quais muitas vezes envolvem sonhos maiores. Por conta disso, é comum que sejam geradas, internamente, exigências mentais, pressão automática a qualquer tarefa que figurar como um degrau para o topo. Somado a isso, leve em conta todos os tiros sociais e emocionais que somos obrigados a receber, dia após dia, pelo simples fato de existirmos. Palavras cruéis de crianças inocentes, críticos sinceros demais em seus julgamentos, amigos-inimigos, profissões escolhidas de maneira errada e relacionamentos que passaram longe do ideal. Coisas que nos impedem de alcançar a linha de chegada, nos empurram pro fundo, pra estaca zero. Ou para um nível abaixo de zero, um nível negativo, como eu passei a chamar após um tempo. 

Porque não importa o quão lá embaixo você está, acredite, não existe um fundo para o poço. 


Houve um momento em minha vida - e possivelmente na de muitos outros artistas - em que essa pressão e a expectativa por resultados imediatos culminaram em completo desespero. Eu contei, em outra postagem, que havia deixado de escrever, que havia parado de praticar a leitura prazerosa da ficção. Eu tinha alcançado um ponto de depressão extrema, no qual reconhecer e afastar pessoas cruéis não era simplesmente uma tarefa fácil. Eu não reconhecia nem a mim mesma, quanto mais reconhecer um amigo - e eu sabia disso. 

Mas então eu percebi algo, após muito, muito tempo. A autoestima é, na verdade, uma coisa engraçada. Basta que a gente ouça um "ninguém jamais te entenderia" para nos esforçarmos para provar o contrário. Basta que alguém nos diga "Nunca ninguém vai se apaixonar por você" para que isso faça de nós pessoas mais seguras - o mais importante é que o espelho se apaixone por nossa imagem, e não que terceiros façam isso. Da mesma forma, basta que digam "Você jamais escreverá profissionalmente" para que lutemos, com mais afinco, para escrever o novo Harry Potter. 

É irônico como, ao fim de tudo, mesmo que você ainda não tenha alcançado seu objetivo principal, há algum agradecimento às porradas. Agradecemos aos assédios morais em trabalhos mal estruturados, aos homens irracionais e fracos, aos professores antiéticos. Agradecemos aos xingamentos, aos namorados abusivos, aos amigos que nunca foram tão amigos assim. 


O que quero dizer é que, mais uma vez, dá para tirar beleza e combustível de tudo. Ralar o joelho dói muito, mas as histórias não seriam as mesmas sem aquela cicatriz específica. Se não houver traumas, não haverão garras. Ninguém se tornou mestre na luta de espadas porque era simplesmente divertido. Houve motivos, houve necessidade. Com aquela matéria que não gostávamos na escola, é a mesma coisa. Com o vestibular, também. Tente até cair. E se cair, levante-se. Se não tiver forças, se não tiver pernas, se não houver estrada, arraste-se, respire fundo, pavimente a terra. Pode ser que você consiga só em 50 anos, mas vai conseguir. A cada dia, a cada segundo falta menos do que no instante anterior - e isso já é o bastante. 

2 comentários:

  1. Bem verdadeiro (e bem escrito).
    Eu sempre, ainda bem, consigo tirar pequenas felicidades que me animam de pequeninas coisas ou acontecimentos. Atualmente estou adotando o "só me preocupo com uma coisa por vez, a pior", está funcionando bem. bjs.

    :D

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    1. Oi, Flavio! Obrigada pelo comentário, você é incrível! E passarei a seguir seu conselho: só me preocuparei com o pior a partir de agora.

      Grande beijo.

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