A poesia é uma puta
O verbete se entala na língua, ele se contorce. A garota reflete, se reflete, enrija-se, foge, fica, grita o grito surdo de Clarice. Viaja em um banco de praça, bebe vinhos baratos de supermercado, está tentando sufocar as pessoas - ou seria a ela mesma? És o pensamento único, senta-se sozinha no banco bambo, permanece só, inaugura a si mesma, és tudo um grande show pra ninguém ver. Enquanto espera por passantes desconhecidos que lhe perguntem as horas, ou quem sabe pessoas sem rosto que lhe perguntem sobre caminhos, ela ainda permanece sentada, inerte, incolor, transparente, embora a mente, que loucura, continue inconsequente. Considera a própria tensão, conversa consigo mesma, vai da sua pequenez diante do mundo à sua grandeza diante do escuro. És o mistério e ainda assim, prefere o silêncio.
Até que alguém lhe pergunta, enfim, se o lugar ao seu lado está vago. Não quer companhias. Não se importa e as ignora. Nega com a cabeça, a preguiça a consome. Consome de tal forma que não se atreve a abrir os lábios, que agora parecem pesados, ilhados e rachados. Ela raciocina sobre a própria incerteza. A certeza da incerteza. Considera-se uma chacina, embora só ela seja a vítima - e também quem aciona a bomba. Bomba indizível, inexpressiva, radioativa.
“A poesia é uma puta”, ela pensa. Sente raiva por saber que aquela frase, em toda a sua estranheza, ainda pode ser poesia. Sente conformidade também, bem no momento em que respira fundo, porque mesmo sem saber, sabe que a incoerência de sua mente e o cansaço de seu corpo também podem ser alinhados algum dia.
É nesse instante que ela crava os dentes: é o foço da esperança, a centelha que vibra em suas mãos deprimidas, a centelha que só surge para ser engolida. Ela prefere se encolher a deixá-la brilhar. É a injustiça de sua estranheza, o desfoque dos seus pensamentos que, paradoxalmente, não a deixam pensar.
“A poesia é uma puta”, ela repete para si mesma.
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