Aqueles por trás dos livros: conhecendo editores e escritores

22:44 Igraínne 0 Comments


Recentemente, estive encarando perspectivas diferentes acerca da produção literária. Na minha atual posição (sou editora na Multifoco), sinto que minha identidade se confunde entre a figura do autor e a figura do editor. A primeira carcaça, já há muito parte de mim, agora bate de frente com meu trabalho no mercado editorial. Sou, afinal, editora. Ao mesmo tempo, nunca me foi dito que uma profissão anularia a outra.

De qualquer forma, em decorrência de um trabalho na graduação, me foi solicitado certo número de entrevistas com editores e escritores influentes do mundo literário. Após ver o resultado, percebi que muitas das respostas deveriam ser compartilhadas com as pessoas. Mais do que isso: resolvi pedir permissão para publicá-las por aqui, de tão interessantes. Se possível, farei uma série de postagens com o tema. O primeiro a ter voz é Pedro Almeida, editor-chefe da Faro Editorial

Enjoy. 

Bienal do Livro de São Paulo.

1) Primeiramente, obrigada por aceitar fornecer a entrevista, Pedro. Para começar, poderia falar um pouco sobre a Bienal do Livro de São Paulo? Devido aos dez dias de Bienal, o mercado editorial esteve em grande rebuliço. Você acredita, como editor, que o evento foi capaz de ajudar a reverter o processo de queda das vendas (pesquisa realizada em 2015)? 
Almeida: A Bienal é sempre um evento de divulgação e exposição de marcas e lançamentos, mas não tem capacidade de alterar a curva do mercado. O mercado, não só de livros, vive o problema da crise econômica.

2) Há muita discussão em torno da Bienal da Livro especialmente em decorrência do embate (já bastante dissecado) entre o livro físico e o livro digital. Mais do que isso, vivemos em um momento em que plataformas digitais vêm aparecendo como precursoras da leitura, especialmente entre o público jovem. Você acredita que o Wattpad, ou mesmo a Amazon e o Youtube, vieram para subtrair das editoras ou somar? 
Almeida: Vieram para somar. Não há uma rixa entre essas plataformas e é o publico leitor quem irá fazer as empresas se moverem mais em uma direção do que em outra. Hoje os livros digitais representam cerca de 3 a 5% das vendas dos livros físicos há 3 anos consecutivos. Se vão ocupar mais espaço, não sabemos. O produto é o mesmo. O hábito das pessoas é que vai definir se preferem mais um tipo ou outro. O que o mercado precisa fazer é criar opções de negócios que sejam sustentáveis para as editoras apostarem em ambas as opções.

3) Em determinada entrevista, você chegou a dizer que a crise ajudou o mercado editorial a olhar para o autor brasileiro. Você acredita que a Bienal do Livro também serviu (e serve), como evento, para promover esse contato entre o novo autor e o editor? Como isso funcionaria? 
Almeida: Sim.  Com o dólar em alta os editores começaram a pensar mais nos autores nacionais que tem custo de investimento editorial até 70% menor que um autor estrangeiro, pois não há adiantamento de Direitos Autorais e custos de tradução. A Bienal não é apenas uma feira de livros, ou feira de descontos. É uma oportunidade de autores e leitores se encontrarem. Você pode observar que é o espaço em que, além dos debates e eventos, há contato a todo momento. Isso é extremamente positivo. Há autores novos que chegam a vender numa Bienal o dobro de livros de grandes nomes internacionais e isso é fruto desse envolvimento.

Bienal Internacional do Livro de São Paulo em 2016.

4) Ainda sobre esse assunto, há maior atenção às plataformas de consumo de literatura digital nesse momento. Você acredita que o convencional envio de originais está se extinguindo? 
Almeida: Há mais barulho sobre as novas plataformas porque são novas. Não há tanta novidade sobre como trabalhar o livro físico e isto se repete em qualquer lugar do mundo. Apenas isso, mas nenhuma alteração sobre uma extinção ou redirecionamento forte para um caminho no mercado.

5) Ser editor tornou-se uma profissão de investigação. Como são feitas as seleções e as apostas da editora? 
Almeida: É sempre uma investigação sobre o que as pessoas estarão interessadas no futuro. É um tanto de aposta, sim, porque não se pode prever tanta coisa com 12, 18 meses de antecedência. Nossas apostas são feitas pensando em tendências tanto de mercado geral quanto de nossos próprios leitores. E claro, trabalho com o acervo que tenho comigo. Só de experiência como editor, já são 24 anos.

6) A Bienal de São Paulo mal acabou e já estamos esperando mais. O que podemos prever da Faro Editorial na Bienal do Livro de 2017? Em 2015, houve o surgimento do escritor Vinícius Grossos, hoje um sucesso de vendas. Escritores novos podem ser apresentados ao público?  
Almeida: No ano de 2017 vamos ter muitas novidades. Faro vai lançar algumas coisas muito diferentes, embora estivessem sendo planejadas desde o seu início. Algo em Literatura Brasileira e também em Literatura Portuguesa, ambas clássicas. Temos a biografia do líder do A-ha. Temos um livro novo do Vinicius Grossos com duas novas autoras que estamos lançando, Gabriela Freitas e Thais Wandrovsky, e mais outros ainda não anunciados. A casa está aberta e sempre estamos interessados em conhecer novos autores, além de olharmos para os que já são consagrados. O único critério é estar dentro de nosso projeto editorial.

A Faro Editorial na Bienal do Livro de São Paulo, em 2016.

7) Além de Vinicius Grossos, Augusto Alvarenga é um grande nome da casa editorial no momento. Sendo um sucesso de vendas, os dois escreveram, juntos, um livro sobre representatividade. Você acredita que esse é um tema que veio para ficar entre os jovens, assim como a literatura fantástica e a literatura erótica fizeram anteriormente?
Almeida: Eu penso que sim.  Gosto muito da forma como eles abordaram e o livro teve enorme aceitação entre os público jovem. Vejo outros livros de outras editoras percorrendo o mesmo caminho.

8) Há uma atenção das casas editoriais voltada a esse sentido: reconhecer gêneros literários em alta e até mesmo reciclá-los. Isso vem atingindo outro tipo de autor: o youtuber, tão polêmico entre os leitores convencionais. Qual é sua opinião a respeito? E sobre o booktube?  
Almeida: Eu penso que qualquer esforço para fazer um não leitor pegar num livro é ótimo. Há livros de booktuber que são uma réplica preguiçosa do próprio texto falado nos blogs/vlogs e outros que são obras de ficção, de não ficção, independentes do conteúdo digital e de grande qualidade. Penso que o que tiver qualidade fica, o que se comunica com os leitores também. Além disso, boa parte desses não leitores podem travar um contato pessoal com o livro a partir de um autor de quem é fã no vídeo. E esse contato pode levá-lo a se interessar por algo além. Não é um processo que alguém controla e acho que ninguém precisa se preocupar com isso: se o leitor de booktuber vai passar a ler outros livros e autores. O mais importante é que todos os que consideram a leitura algo positivo se unam e não o contrário, discutindo se uma coisa é literatura e a outra não é.

9) O autor agora é um artista, arrastando centenas para as tardes de autógrafos e realizando turnês em livrarias pelo país. Da mesma forma, o leitor também se tornou um criador de conteúdo, promovendo eventos e encontros literários em torno de livros e assuntos variados. É correto dizer que as figuras convencionais do leitor, do escritor - e até mesmo do editor - estejam se confundindo (ou se fundindo)?  
Almeida: O autor sempre teve uma aura de grande artista. Era o intelectual admirado  do passado, quase inatingível, que escrevia uma coluna mensal em um grande jornal do país. Hoje muitos parecem um popstar, mas é menos pela diferença de tempo e mais pelo público que atingem. Na década de 80 uma banda de garotos arrastava uma multidão e uma banda famosa de MPB poderia almoçar na praça de alimentação de um shopping sem ser importunada. Você não vai ver esse mesmo frenesi hoje, por exemplo, com autores que, apesar de famosos, tenham um público mais maduro. O leitor hoje tem seguramente uma importância maior do que no passado, hoje ele está mais visível. Décadas atrás o escritor não sabia muito bem para quem escrevia e hoje isso mudou, o que certamente mexeu com o trabalho. Todo leitor, ao dar feedbacks mais imediatos, torna-se um ponto de consideração. É como se fossem pequenos sinais que mostram onde os escritores e editores têm de apostar para emocionar, mudar o caminho e investir em segmentos.


Para terminar, deixo aqui um link curioso de outra entrevista de Almeida, essa fornecida ao Publishnews, onde ele fala rapidamente sobre sua trajetória profissional e sobre como foi parar no meio de tantos livros. Vale a pena dar uma conferida

Agradeço imensamente ao Pedro e à Faro por ter se aberto a esse tipo de contato. Para mais informações sobre a editora, corre aqui

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